No Mercadão Municipal de Campinas, um real. Aqui, uma moeda que não compraria nem um pacote de chicletes compra uma vida... uma vida e muito sofrimento.
Entre as carcaças de peixes com olhos vidrados e morros de gelo, ergue-se uma pilha de caixotes plásticos velhos, de um amarelo forte, que chama a atenção. No caixote de cima, uma massa cinzenta se movimenta lentamente, quase uma maré em dia sem vento, movimentos constantes e lentos... mas, ao contrario da maré, aqui eles são lentos de agonia. Agonia de cerca de 50 caranguejos VIVOS, amarrados por cordões de um plástico desfiado em filas de doze, longe da água, longe da areia, do cheiro do mar.
Eles estão nessa situação há no mínimo cinco dias, quando saíram de Santos, em um caminhão aberto, sob o sol quente. Uns em cima dos outros, foram amarrados por redes numa viagem de duas horas e meia de vibração do motor, escuridão, medo, desespero dos parceiros. Os caranguejos não têm ouvidos como os nossos, mas têm um sentido mais aguçado nos pêlos das patas que faz com que sintam as mudanças na vibração da água e pressintam o perigo ou aproximação da comida. Imagine esses pêlos hiper-sensíveis captando as vibrações de um caminhão há 120 Km/h.
Às vezes, a genética e a natureza são um grandes infortúnios. Para esses caranguejos, a resistência física é um pesadelo. A viagem poderia matá-los e poupá-los do sofrimento, mas não, fracos e quase sufocando, chegam vivos na peixaria. Manipulados sem nenhum cuidado, é comum ver patas amputadas no fundo das caixas amarelas. As partes com mais “carne” são a pinça e o corpo, logo, para o vendedor, um caranguejo com sete patas em vez de oito não é problema. Mas para os aleijados, é. Crustáceos têm sistema nervoso desenvolvido, o que significa que ter uma pata arranca dói tanto para eles quanto para nós.
Caranguejos respiram da mesma forma que os peixes, por brânquias. São aberturas na carapaça que filtram a água e retiram dela o oxigênio usado para sobreviver. É por isso que vivem perto do mar ou mangue, quando a carapaça começa a secar, eles correm para umedecerem-na de novo. Eles literalmente respiram água. E não tem água nas caixas amarelas das peixarias a não ser quando os vendedores lembram de esguichá-la. Isso significa que, na cidade quente, os caranguejos dispostos como produtos para venda estão sufocando aos poucos.
O vendedor anunciar que estão frescos é anunciar que eles foram capturados de três a cinco dias atrás. Para alguém que se dê ao trabalho de perguntar, o vendedor também há de dizer que o preço de uma “corda”, com doze caranguejos amarrados, é de R$ 12. Doze reais, por doze vidas. O preço da vida é um real.
Por um real, pode-se comprar um animal vivo que sofreu por cinco dias com o calor, sufocando amarrado aos seus semelhantes, de ponta cabeça, sem as patas, tentando escalar a caixa amarela. Alguém se aproxima e eles imediatamente retraem os olhos, como se não olhar fosse salvá-los da morte que os aguarda. Caranguejos são cozinhados vivos na água fervente.
A seguir, algumas linhas de sites* ditos culinários, qualquer semelhança com filmes de psicopata... pode não ser mera coincidência:
Coloque o caranguejo ainda vivo numa panela com água fervente e tampe. Cozinhe durante cerca de 30 minutos. Deixe esfriar na mesma água em que foi cozido. Retire da panela, lave com água fria e esfregue novamente com a escova. Depois que estiver bem limpo, coloque o caranguejo sobre uma tábua, com as pernas viradas para cima. Retire cada perna torcendo a parte onde se junta ao corpo. ALMANAQUE CULINÁRIO
Parecidíssimos fisicamente, mas totalmente distintos no sabor, o caranguejo e o guaiamum reinam quando o assunto é petisco feitos com frutos do mar. São casquinhos, ensopados, fritadas, patolas, tudo feito com os "bichos". O guaiamum pode tranqüilamente ir para a panela vivo. [Tranquilamente? Tem certeza?] FÓRUM MUNDO DA GASTRONOMIA
24 unidade(s) de caranguejo (...) Os caranguejos estarão nos amarrados, inteiros e vivos. Coloque no fogo uma panela grande com água e espere que ferva. Junte os caranguejos pegando-os pela cordinha que os prende e coloque-os na panela tampando-a. Deixe que cozinhem até que estejam todos vermelhos. CYBER COOK
É importantíssimo nunca comprar caranguejos mortos. Perca um tempinho, mas acompanhe o processo de matar e limpar. PETIT CHEF
Sinceramente, acredito e espero que depois de tudo isso “comer um caranguejo” tenha uma conotação totalmente diferente, mais violenta e “com menos sal”. Também acredito e espero que um dia todos os crustáceos possam criar suas famílias e cavar suas tocas em paz. Que eles possam caminhar com suas patinhas laterais pelas areias da praia e do mangue. Que eles possam se relacionar com os vizinhos, respirar tranqüilos e usar os pêlos da pata para sentir a vibração da água, seu lar.
Daquele que humildemente lhes fala pelos irmãos que não podem fazê-lo,
Alfredo
! Lembrando que Campinas foi apenas o alvo da investigação, milhares de peixarias e restaurantes do Brasil todo servem caranguejos que passaram por suplícios se não piores, iguais aos descritos acima. !
Um vídeo dos caranguejos vendidos vivos no mercadão de Campinas está disponível aqui: Youtube do Alfredo
*Para comprovar a origem dos textos, foram feitos print screens de todos os sites, disponíveis aqui: Picassa do Alfredo
Fotos: EMBRAPA
Informações sobre a biologia dos caranguejos:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/crustaceos/crustaceos-4.php
http://museumvictoria.com.au/discoverycentre/infosheets/can-crabs-hear/
http://fotosdenatureza.blogspot.com/2009/08/caranguejo-uca.html
http://www.achetudoeregiao.com.br/animais/caranguejo.htm