Quem é Alfredo?

Não sei exatamente onde fica a linha que separa a minha personalidade como escritora e ativista da personalidade de Alfredo. Até porque nós conhecemos brevemente por cinco minutos, pouco antes de, acredito, ele ser assassinado. Mas comecemos do começo.

A única coisa que o diferenciava dos outros cinco na gaiola eram três listras de caneta hidrográfica vermelha pintadas em sua cauda, usadas para separar os animais dentro da mesma pesquisa. Ele tinha os mesmos olhos vermelhos, o mesmo nariz constantemente remexendo bigodes e as mesmas patinhas delicadas. Confesso que estendi o dedo para tocá-lo com certa relutância, um animal que passou a vida engaiolado recebendo agulhadas tem todo motivo para odiar dedos humanos. Mas, surpreendentemente, não existia ódio naquele pequeno rato. Ele não apenas me deixou tocá-lo, como forçou a cabeça contra a grade, pedindo carinho, exatamente como o cachorro e o gato que dividem o sofá conosco.

Seu pêlo branquinho era quente, macio, e Alfredo parecia adorar que eu o remexesse com os dedos. Ele abaixou a cabeça em certo momento, e eu não pude mais alcançá-lo. Sequer tentei na verdade, imaginando que ele tivesse simplesmente cansado de mim. Acompanhei seu rabinho listrado de vermelho rodear os aglomerados de outros ratos na gaiola e vi aquele rato singular juntar com as patinhas minúsculas um punhado de serragem, ele estendia e puxava os bracinhos numa rapidez surpreendente, em alguns segundos tinha um monte de serragem entre as patas. Ele pegou o montinho com os dentes, alguns tufos saindo do lado da boca, e colocou o focinho para fora da gaiola, na minha direção, me estendendo o tufo de serragem. Ele estava me dando um presente, a única coisa que tinha para dar, sua "caminha".

Nunca me arrependi tanto na vida quanto me arrependo de não ter aberto aquela gaiola e, mesmo estando cercada de pesquisadores, ter abraçado aquele rato bem apertado junto ao peito e corrido para longe dali, para longe da... sala de espera. Eu voltaria no tempo nem que custasse minha própria vida, pois aquele animalzinho tinha o direito de conhecer o sol e a grama, construir uma toca e surrupiar montinhos de comida de algum descuidado. Ele tinha o direito de viver a vida que lhe pertencia, de ser livre, de sentir o vento balançar seus bigodinhos e seu pêlo quente. Esses direitos lhe foram tomados de maneira brutal a vida toda, mas principalmente quando teve as mesmas patas que juntaram o montinho de serragem amarradas numa mesa de metal e o mesmo peito com um coração pulsante aberto com um bisturi gelado observado sobre as frias lentes de uma ciência inútil.


Não te vale de nada, eu sei, mas saiba que arrependo-me todos os dias antes de deitar por não tê-lo salvo, Alfredo. E saiba também que enquanto eu viver lutarei para que teus colegas não tenham o mesmo fim que ti, lutarei para que eles conheçam o que tu jamais conheceu, o sol, a terra, a vida. E dou-lhe minhas palavras, Alfredo, dou-lhe o que tu sempre teve mas nunca reconheceram: dou-lhe uma voz. Sinceramente,
A única que te amou